O artigo não conta que a onda de oração no masculino terá começado pela mão de dois padres portugueses: Miguel Lencastre e José Pontes encontraram nas igrejas vazias do nordeste do Brasil uma oportunidade para atrair homens, acostumados a ficar do lado de fora. Quem explica é António Ruivo, ligado ao santuário de Schoenstatt, em Lisboa, que ouviu o relato diretamente de um dos sacerdotes. Portugal, contudo, está muito longe desta dimensão. A pesquisa do Expresso descobriu apenas os grupos do Seixal e de Schoenstatt e mesmo o Patriarcado, quando questionado, não os conhecia. Há procissões, como a da Farinheira, em Mação, em que só participam homens, mas que não funcionam com esta regularidade.
Desde 2014 que os participantes do grupo do Seixal tentam conquistar mais adeptos, mas não é fácil. Criaram uma página no Facebook e colaram um cartaz no átrio da igreja. Apostaram sobretudo na divulgação boca a boca, mas o movimento não cresceu. Os que participam, contudo, dizem-se fiéis. Pedro Inês, 35 anos, desempregado, só falta às reuniões quando tem de ficar com o filho de ano e meio porque a mulher, que trabalha por turnos, não consegue. Valentim Queirós, reformado, 71 anos, 12 netos e dois bisnetos, diz que participa porque “é bom estar entre homens” e que “rezar em grupo tem outra força”, embora o terço faça parte da sua rotina diária, mesmo que solitária. Rafael Santos, funcionário público, 30 anos, outro dos fundadores do movimento na margem sul, defende que o objetivo é “rezar de forma pragmática, pelas intenções de cada um, porque a vida é uma batalha diária e o terço é uma arma que dá força”. O simbolismo masculino é evidente nos discursos, como quando Nuno Capucha confessa ser “devoto de São Nuno de Santa Maria, génio militar impulsionado pela fé”.
nquanto fala tem nas mãos o terço de madeira oficial do movimento brasileiro, lembrança que trouxe do santuário de Aparecida para todos os membros do grupo.
Tiago Pacheco da Silva é pároco do Seixal há um ano. Quando chegou, encontrou o movimento e nunca pensou em fechar as portas a estes homens. Quando pode, participa, e quando não é possível “eles entram, rezam sozinhos e vão à vida deles”. Compreende a necessidade de homens rezarem entre homens porque “o terço está associado a uma oração de mulheres idosas e, além disso, as senhoras dominam todos os momentos da igreja e, desta forma, eles têm um método e tempo próprios”.
ORAR SEM O TERÇOO frio é o mesmo, o resto é distinto. Às mesmas 21h frias de uma noite de dezembro, outros homens começam a chegar. Desta vez, o local é o santuário de Schoenstatt, no Restelo. Também se atrasam. Também chegam aos poucos, um de cada vez. Este grupo é formado por seis homens, um está doente e não pode comparecer.
O Ramo dos Homens de Schoenstatt — movimento de renovação católica de génese masculina que surgiu em 1914 na Alemanha — chegou a ter quatro “grupos de vida”. Formados há cinco anos, atualmente, só dois núcleos funcionam regularmente. No total, são 15 homens que se encontram a cada quinze dias e decidem, de forma autónoma, que método querem imprimir às reuniões. “Somos um movimento de leigos e o padres são os nossos assessores, não mandam”, explica Paulo Galvão, psicólogo que trabalha como coach e é o coordenador do Ramo dos Homens.
Desafiados a explicar o motivo de se reunirem apenas entre homens, concordam que “homens e mulheres têm características próprias e, quando se juntam, estas evidenciam-se”. Dizem ainda que “também as interpretações dos textos são distintas”. Pedro Mendonça é o “chefe” daquele grupo de homens casados, com mais de 50 anos. Assumiu a responsabilidade em outubro e vai ser líder durante um ano litúrgico (até outubro de 2017). Engenheiro industrial, conta que foi “educado no amor à Igreja, em frente ao presépio” e que vê nesta prática “a possibilidade de desenvolver o papel de pioneiro e educador dos homens”.
Para o teólogo e sacerdote Anselmo Borges, o surgimento de movimentos de leigos é positivo. “Jesus era leigo e a Igreja é, antes de mais, o povo de Deus”. Segundo o religioso, “povo, em grego, diz-se laós, de onde vem a palavra leigo” e “é excelente que haja leigos que se reúnem em grupos e associações para rezar em conjunto, meditar e prestar serviços”. Avisa, contudo, para dois perigos: “O surgimento de algum elitismo ou a redução a um devocionismo intimista, esquecendo a caridade cristã.”
Também a teóloga Teresa Toldy alerta que “em geral, estes movimentos de espiritualização passam ao lado de questões fraturantes da Igreja”, como a discussão do papel da mulher na instituição e a sua ordenação. E sublinha que haver grupos só de mulheres para debater textos litúrgicos não é o mesmo porque “eles sempre tiveram voz na hierarquia, enquanto elas reúnem-se para ter espaço de expressão da sua fé, sem reproduzir o discurso masculino”.
Daniel Simões, 58 anos, é economista. Tinha deixado de ir à missa, mas numa peregrinação a Fátima aproximou-se do movimento e gostou do que viu porque não havia “muita beatice”.
Agora é dele a missão de organizar o Encontro Internacional dos Homens de Schoenstatt, em maio do próximo ano, em Aveiro e Fátima. José Cid é engenheiro informático e tem 65 anos. Começou a frequentar o santuário do Restelo trazido pela mão do filho e, hoje, toda a família participa. Não tem dúvidas de que a leitura no masculino “é mais focada” e sublinha que “o chavão da igualdade de género não se coloca em Schoenstatt, onde todos são iguais diante de Deus”. Os 66 anos do engenheiro agrónomo Pedro Castro e Costa fazem-no explicar que “não há um rezar no masculino e outro no feminino porque a prédica é a mesma, a expressão é que é diferente”, mas também que “os homens reforçam a oração quando a fazem em conjunto”.
Desde que surgiu, os homens de Schoenstatt tentam rezar o terço no masculino. Falharam sempre. Reconhecem que “o modelo de Portugal não tem de ser o do Brasil”, por isso dedicam-se a estudar textos litúrgicos. “Estamos numa fase embrionária, com tudo por fazer”, dizem. E se uma mulher quiser participar? “É o que está a acontecer”, responde Pedro Mendonça. Acabada a reunião, saem todos da sala e juntam-se em frente à porta, já fechada, do santuário. É quase meia-noite, ligam o telemóvel e rezam. Sem mulheres. Mas entregam-se a uma mulher, a mãe de Jesus.
http://expresso.sapo.pt/sociedade/2016-12-26-Sao-homens-e-rezam.-Apenas-entre-homens
Desde 2014 que os participantes do grupo do Seixal tentam conquistar mais adeptos, mas não é fácil. Criaram uma página no Facebook e colaram um cartaz no átrio da igreja. Apostaram sobretudo na divulgação boca a boca, mas o movimento não cresceu. Os que participam, contudo, dizem-se fiéis. Pedro Inês, 35 anos, desempregado, só falta às reuniões quando tem de ficar com o filho de ano e meio porque a mulher, que trabalha por turnos, não consegue. Valentim Queirós, reformado, 71 anos, 12 netos e dois bisnetos, diz que participa porque “é bom estar entre homens” e que “rezar em grupo tem outra força”, embora o terço faça parte da sua rotina diária, mesmo que solitária. Rafael Santos, funcionário público, 30 anos, outro dos fundadores do movimento na margem sul, defende que o objetivo é “rezar de forma pragmática, pelas intenções de cada um, porque a vida é uma batalha diária e o terço é uma arma que dá força”. O simbolismo masculino é evidente nos discursos, como quando Nuno Capucha confessa ser “devoto de São Nuno de Santa Maria, génio militar impulsionado pela fé”.
nquanto fala tem nas mãos o terço de madeira oficial do movimento brasileiro, lembrança que trouxe do santuário de Aparecida para todos os membros do grupo.
Tiago Pacheco da Silva é pároco do Seixal há um ano. Quando chegou, encontrou o movimento e nunca pensou em fechar as portas a estes homens. Quando pode, participa, e quando não é possível “eles entram, rezam sozinhos e vão à vida deles”. Compreende a necessidade de homens rezarem entre homens porque “o terço está associado a uma oração de mulheres idosas e, além disso, as senhoras dominam todos os momentos da igreja e, desta forma, eles têm um método e tempo próprios”.
ORAR SEM O TERÇOO frio é o mesmo, o resto é distinto. Às mesmas 21h frias de uma noite de dezembro, outros homens começam a chegar. Desta vez, o local é o santuário de Schoenstatt, no Restelo. Também se atrasam. Também chegam aos poucos, um de cada vez. Este grupo é formado por seis homens, um está doente e não pode comparecer.
O Ramo dos Homens de Schoenstatt — movimento de renovação católica de génese masculina que surgiu em 1914 na Alemanha — chegou a ter quatro “grupos de vida”. Formados há cinco anos, atualmente, só dois núcleos funcionam regularmente. No total, são 15 homens que se encontram a cada quinze dias e decidem, de forma autónoma, que método querem imprimir às reuniões. “Somos um movimento de leigos e o padres são os nossos assessores, não mandam”, explica Paulo Galvão, psicólogo que trabalha como coach e é o coordenador do Ramo dos Homens.
Desafiados a explicar o motivo de se reunirem apenas entre homens, concordam que “homens e mulheres têm características próprias e, quando se juntam, estas evidenciam-se”. Dizem ainda que “também as interpretações dos textos são distintas”. Pedro Mendonça é o “chefe” daquele grupo de homens casados, com mais de 50 anos. Assumiu a responsabilidade em outubro e vai ser líder durante um ano litúrgico (até outubro de 2017). Engenheiro industrial, conta que foi “educado no amor à Igreja, em frente ao presépio” e que vê nesta prática “a possibilidade de desenvolver o papel de pioneiro e educador dos homens”.
Para o teólogo e sacerdote Anselmo Borges, o surgimento de movimentos de leigos é positivo. “Jesus era leigo e a Igreja é, antes de mais, o povo de Deus”. Segundo o religioso, “povo, em grego, diz-se laós, de onde vem a palavra leigo” e “é excelente que haja leigos que se reúnem em grupos e associações para rezar em conjunto, meditar e prestar serviços”. Avisa, contudo, para dois perigos: “O surgimento de algum elitismo ou a redução a um devocionismo intimista, esquecendo a caridade cristã.”
Também a teóloga Teresa Toldy alerta que “em geral, estes movimentos de espiritualização passam ao lado de questões fraturantes da Igreja”, como a discussão do papel da mulher na instituição e a sua ordenação. E sublinha que haver grupos só de mulheres para debater textos litúrgicos não é o mesmo porque “eles sempre tiveram voz na hierarquia, enquanto elas reúnem-se para ter espaço de expressão da sua fé, sem reproduzir o discurso masculino”.
Daniel Simões, 58 anos, é economista. Tinha deixado de ir à missa, mas numa peregrinação a Fátima aproximou-se do movimento e gostou do que viu porque não havia “muita beatice”.
Agora é dele a missão de organizar o Encontro Internacional dos Homens de Schoenstatt, em maio do próximo ano, em Aveiro e Fátima. José Cid é engenheiro informático e tem 65 anos. Começou a frequentar o santuário do Restelo trazido pela mão do filho e, hoje, toda a família participa. Não tem dúvidas de que a leitura no masculino “é mais focada” e sublinha que “o chavão da igualdade de género não se coloca em Schoenstatt, onde todos são iguais diante de Deus”. Os 66 anos do engenheiro agrónomo Pedro Castro e Costa fazem-no explicar que “não há um rezar no masculino e outro no feminino porque a prédica é a mesma, a expressão é que é diferente”, mas também que “os homens reforçam a oração quando a fazem em conjunto”.
Desde que surgiu, os homens de Schoenstatt tentam rezar o terço no masculino. Falharam sempre. Reconhecem que “o modelo de Portugal não tem de ser o do Brasil”, por isso dedicam-se a estudar textos litúrgicos. “Estamos numa fase embrionária, com tudo por fazer”, dizem. E se uma mulher quiser participar? “É o que está a acontecer”, responde Pedro Mendonça. Acabada a reunião, saem todos da sala e juntam-se em frente à porta, já fechada, do santuário. É quase meia-noite, ligam o telemóvel e rezam. Sem mulheres. Mas entregam-se a uma mulher, a mãe de Jesus.
http://expresso.sapo.pt/sociedade/2016-12-26-Sao-homens-e-rezam.-Apenas-entre-homens